terça-feira, 24 de março de 2009

Inês de Castro na Literatura

“ Ouve-me Rey Senhor: Ouve primeiro
A derradeira voz dest’alma triste.
Co estes teus pés me abraço, que não fujo.
Aqui me tens segura.

REY:
Que me queres?

CASTRO:
Que te posso querer, que tu não vejas?
Pergunta-te a ti mesmo o que me fazes;
A causa, que te move a tal rigor .
Dou tua consciência em minha prova.
S’os olhos que teu filho s’enganáram.
Com o que viram em mim, que culpa tenho?
Paguei-lhe aquelle amor com outro amor,
Fraqueza costumada em todo estado.
Se contra Deos pequei, contra ti não.
Não soube defender-me dei-me toda.
Não a inimigos teus, não a traydores,
A que algus teus segredos descobrisse
Confiados a mim, mas a teu filho
Príncipe deste Reyno. Vê que forças
Podia eu ter contra tamanhas forças.dia
Não cuidava, senhor, que t’offendia.
Defenderas-mo tu, e obedecêra.
Inda que o grand’amor nunca se força:
Igualmente foy sempre entre nós ambos:
Igualmente trocámos nossas almas.
Esta que te hora fala, he de teu filho.
Em mim matas elle: elle pede
Vida par’estes filhos concebidos
Em tanto amor. Não vês como parecem
Aquelle filho teu? Senhor meu, matas
Todos, a mim matando: todos morrem.
Não sinto já, nem choro minha morte,
Inda que injustamente assi me busca,
Inda que estes meus dias assi corta
Na sua flor, indigna de tal golpe:
Ma sinto aquella morte triste, e dura
Pêra ti, e pêra o Reyno, que tam certa
Vejo naquelle amor, que esta me causa.
Não vivirá teu filho, da-lhe vida,
Senhor, dando-ma a mim, que eu irey logo
Onde nunca appareça; mas levando
Estes penhores seus, que não conhecem
Outros mimos, e tetas senão estas,
Que cortar-lh’ora queres; Hy meus filhos,
Choray, pedi justiça aos altos Ceos.
Pedi misericordia a vosso avô
Contra vós tam cruel, meus innocentes.
Ficareis cá sem mim, sem vosso pay,
Que não poderá ver-vos sem me ver.
Abraçay-me meus filhos, abracay-me,
Despedi-vos dos peitos, que mamastes.
Estes sós foram sempre: já vos deixam.
Ah já vos desampara esta mãy vossa.
Que achará vosso pay quando vier?
Achar-vos-á tam sós, sem vossa mãy;
Não verá quem buscava: verás cheas
As casas e paredes de meu sangue.
Ah vejo-te morrer, senhor, por mim.
Meu senhor, já que eu mouro, vive tu.
Isto te peço, e rogo: vive, vive.
Empara estes teus filhos, que tant’amas.
E pagye minha morte seus desastres,
Se alguns os esperavam. Rey senhor,
Pois podes socorrer a tantos males,
Socorre-me, perdoa-me. Não posso
Falar mais. Não me mates, não me mates.
Senhor, não to mereço.

REY:
Ó molher forte!
Venceste-me abrandaste-me. Eu te deixo,
Vive, em quanto Deos quer.”

(in A Castro, António Ferreira)

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